Cannes Lions 2025: a IA não matou a propaganda, só expôs sua crise existencial

Cannes Lions 2025: a IA não matou a propaganda, só expôs sua crise existencial

Vamos aos fatos: Cannes Lions 2025 tentou provar que ainda tem alma. Com tantos festivais pelo mundo, ele andava meio apagado. Neste ano, eu, vendo de longe, fiquei animada com o brazilian storm e com o uso da Inteligência Artificial. Todo mundo falando de IA, mas no fundo o que a gente viu foi uma indústria em busca desesperada de relevância. E de manchetes.

Dois anos atrás, IA era a promessa. Em 2025? Agora é “A IA é minha colega de equipe”. Bonito no slide, mas alguém perguntou pra base da pirâmide criativa se ela se sente substituída ou integrada? Spoiler: muita gente no after tá achando que vai ser demitida por um bot até o próximo festival.

No papel, todo mundo é AI-ready. Na prática? Ainda tem agência usando prompt só pra enfeitar PowerPoint (ainda nem usam o Gamma). Enquanto isso, a Meta lança ferramenta que faz igual, mais rápido e mais barato e ainda jura que não é pra substituir ninguém. Imagina se fosse.

Tem também case brasileiro suspeito de manipulação de dados por inteligência artificial. E-mail anônimo aponta: manipulação de TED Talk com IA, reportagem fake simulando a CNN, voz deepfake de jornalista que nem tá mais na emissora e gráficos fantasmas. Fica a suspeita que os consumidores da marca talvez nem existam.

Enquanto isso, a Digital Favela traz a real: criatividade que nasce da urgência, da vivência, da quebrada. Gente que ganha três salários mínimos e compra tênis de mil reais não tá “fazendo consumo aspiracional”. Tá contando história, tá gritando identidade. Nenhuma IA treinada em blog de luxo vai chegar perto disso.

Tor Myhren (Apple): “A IA não vai matar a propaganda. Mas também não vai salvá-la.”

Traduzindo: se a gente continuar tratando tecnologia como desculpa pra mascarar falta de ideia boa, a IA vai apenas deixar isso mais evidente. Como bem disseram por lá, IA não cura desalinhamento estratégico. A Inteligência Artificial escancara esse desalinhamento.

A IA mudou o jogo. Mas quem continua fingindo que está jogando vai virar NPC nesse novo mercado. Se não tiver coragem, verdade e uma boa dose de desconforto criativo, nem a IA vai dar conta de salvar o que já nasceu raso.

E muita gente não está sabendo lidar com a IA e com os efeitos da inteligência artificial no processo de criação. Em um painel, um executivo brasileiro falou que a IA não fica doente nem pede aumento. Isso é quase um slogan da precarização 4.0, romantizando a substituição do trabalho humano por agentes que “não têm demandas”.

Em vez de posicionar a IA como colaboradora, ela é vendida como “solução sem custo emocional ou contratual”. Isso choca num contexto onde profissionais já estão exaustos, desvalorizados e pressionados a trabalhar como se fossem máquinas e agora ouvem que talvez estejam mesmo sendo medidos como elas.

A metáfora da “dupla criativa” com IA poderia ser potente se não fosse apresentada com um viés de submissão. Ao colocar a IA como o parceiro ideal “porque não cansa, nem reclama”, o humano vira o criativo decorativo, e não o protagonista.

E ao dizer que “o brasileiro entra com criatividade e otimismo” enquanto “a IA trabalha 24 horas por dia”, a fala escorrega para um romantismo do subdesenvolvimento, onde o brasileiro é o carisma e a IA é o suor. Isso não empodera o criativo, apenas o coloca num pedestal frágil enquanto a estrutura de trabalho real se desmancha embaixo dele.

A IA veio para ficar. Mas usá-la como argumento para minar o valor do humano enfraquece qualquer construção ética ou sustentável. O problema é como líderes a apresentam como substituta e não como parceira.

A tecnologia não precisa substituir o humano para ser útil, mas quando usada como régua de comparação (e o humano sai perdendo), o discurso deixa de ser inspirador e vira instrumento de pressão, não de progresso.

Citar inteligência artificial para reforçar  dinâmicas tóxicas como invisibilização do esforço, banalização da sobrecarga e fetichização da produtividade inumana é um erro infinito.

Não podemos continuar premiando discursos que tratam pessoas como software.

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