IA divide países na produção de conteúdo


O Digital News Report 2025 do Reuters Institute for the Study of Journalism (RISJ), da Universidade de Oxford, acaba de revelar algo fascinante: o mundo está dividido quando o assunto é Inteligência Artificial no jornalismo. E não é uma divisão pequena, não.
Desde 2012, o RISJ faz essa radiografia anual do jornalismo mundial. Este ano, eles foram longe: ouviram quase 100 mil pessoas em 48 países (a Sérvia entrou pela primeira vez na lista). A pesquisa foi feita pela YouGov.
O que descobriram? Uma polarização impressionante. De um lado, países como Croácia, Finlândia, Dinamarca e Bélgica olham para conteúdo gerado por IA com uma desconfiança quase visceral mesmo quando há supervisão humana. Do outro lado, temos a Índia, onde 44% das pessoas se sentem perfeitamente à vontade com isso. Na Tailândia, são 38%.
A Índia, aliás, não está só falando. Está fazendo. Jornais indianos já colocaram no ar canais automatizados no YouTube com avatares de IA apresentando notícias. Quase 20% dos leitores por lá usam ferramentas como ChatGPT e Gemini para consumir notícias toda semana. Compare isso com o Reino Unido, onde apenas 3% fazem o mesmo.
Nos Estados Unidos, 4% dos entrevistados usam ChatGPT para se informar. Mas lá, o que realmente pega são os agregadores algorítmicos personalizados. No Japão, o SmartNews faz sucesso. No Quênia, 38% usam o Opera News. Na África do Sul, 14%. Nos EUA, o Newsbreak chegou a 9% — embora já tenha sido criticado por espalhar fake news geradas por IA.
Tem uma diferença cultural interessante aqui: nos EUA, o carisma do apresentador ainda pesa muito. No resto do mundo, as pessoas valorizam mais análises imparciais.
Enquanto outros países veem cada veículo correndo atrás de acordos individuais com as plataformas de IA, a Dinamarca escolheu outro caminho. Os editores dinamarqueses estão agindo em bloco, tentando impedir que gigantes da tecnologia usem conteúdo jornalístico sem autorização para treinar seus modelos.
As negociações com Meta, Google e OpenAI não deram em nada. Resultado? O governo dinamarquês entrou em campo com um processo oficial de mediação. Se não resolver, vira briga judicial.
Por aqui, a IA nas redações brasileiras está se espalhando rapidamente. As aplicações são variadas: tradução acelerada de textos de agências internacionais, transformação de texto em vídeo curto, extração de insights de grandes volumes de dados não estruturados.
O exemplo mais impressionante? O Globo publicou uma série baseada em 600 mil discursos do Congresso Nacional entre 2001 e 2024.
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Na Finlândia, quase todas as redações já adotaram IA. Mas não é só para o básico: transcrição, títulos, revisão, resumos. Eles foram além.
O tabloide Iltalehti criou uma IA que analisa o impacto emocional dos títulos. A ferramenta classifica se o conteúdo é provocativo, triste, analítico, urgente, empático, questionador, útil, divertido ou construtivo. Já o grupo Sanoma desenvolveu algo que monitora documentos públicos, como atas de prefeitura, por exemplo, atrás de pautas interessantes.
A mídia nigeriana está usando IA para enfrentar fake news de frente. O Centre for Journalism Innovation and Development lançou o Dubawa.ai, um chatbot que checa fatos usando IA. O Dataphyte criou o Nubia, uma ferramenta que ajuda redações a analisar dados complexos e produzir reportagens baseadas neles.
Em março de 2025, a News Corp anunciou na Austrália o lançamento do NewsGPT, sua própria ferramenta de IA generativa. Desde 2023, a empresa já usava IA para produzir reportagens locais. Agora, está sinalizando um compromisso ainda mais profundo com a tecnologia.
A RTHK, emissora pública de Hong Kong, virou referência em 2023 ao lançar a apresentadora de IA “Aida”, que apresentava a previsão do tempo. Em 2024, criaram o “AI Lab” para explorar o uso de IA na produção de programas. Estão estudando apresentadores virtuais para podcasts de esporte e saúde. A RTHK está se posicionando como líder no uso de IA na mídia.
O Yahoo! News japonês integrou uma função que detecta comentários ofensivos e pede ao usuário para reconsiderar antes de postar. Segundo a empresa, os comentários ofensivos caíram 24% desde que a função foi lançada.
O site Rappler lançou o Rai, um chatbot interno que orienta usuários com informações verificadas e explicações eleitorais. O VERA Files criou o VERA, um bot de checagem de fatos disponível no Facebook Messenger. O Centro Filipino de Jornalismo Investigativo transformou um de seus relatórios longos em vídeo animado gerado por IA para alcançar mais gente.
O jornalismo tailandês está abraçando a IA de forma impressionante. A Nation TV lançou apresentadores virtuais — primeiro a Natcha, em abril de 2024, no News Alert, depois a Marisa, em maio, na Mono 29.
A Thai PBS, emissora pública, também planeja usar IA para melhorar seu noticiário, considerando custo, credibilidade, aparência e implicações legais.
Talvez seja essa disposição tailandesa para testar novas tecnologias que explique por que o público do país se sente mais confortável com IA nas notícias — especialmente para resumos automáticos e tradução automática.
A IA no jornalismo não é mais questão de “se”, mas de “como” e “quando”. E cada país está encontrando sua própria resposta.