“Criar uma identidade para um representante
do que seria você do jeito que você gostaria
de ser parece a realização de um desejo”
Candice Alcantâra
Escolhi a obra “Cumplicidade Virtual” para contar uma novidade que já anda pegando por aí e fazer um paralelo entre tecnologia e psicologia que, a meu ver, é bastante interessante. Acredite, já é tendência em alguns lugares.
Instagrammable Fitness
As Instagrammable Fitness são instalações com design moderno para atrair uma fatia de público bastante fiel. Os chamados estúdios de fitness “conceito” prometem, acima de tudo, uma experiência esteticamente agradável. Uma nova forma de seduzir o grande público ávido por conceitos que impulsionam motivações estéticas e sociais – tudo ao mesmo tempo. E sem perder tempo.
Pra quê? Simples: juntar consumidores modernos, preocupados com sua imagem transmitida por meio das mídias sociais e, claro, com a boa forma também. Inclusive, já existem exemplos físicos que comprovam o sucesso desta tendência.
No distrito de Flatiron, em Nova York, uma academia de boxe transformou completamente seu espaço – antes masculinizado, um tanto opressor até mesmo para os frequentadores habituais. O “Shadowbox” continua sendo um ginásio, porém bem mais descolado e aconchegante – nada daquele visual de academia Rocky Balboa de subúrbio.
O interior calmo e convidativo inspira belíssimas imagens, durante a malhação – não há dúvidas. E os cuidados não param por aí: a seleção musical que acompanha os atletas na casa passa por uma curadoria. As paredes de tijolo originais foram mantidas, contrastando com um teto ornamentado de estanho e uma iluminação remanescente de uma fábrica que ali funcionava, décadas atrás.
Nem é preciso entrar para sentir o clima diferenciado: a área de boas-vindas funciona como um bar e café, com vista para o ponto principal do ginásio, um ringue de boxe vintage. Não à toa, a academia é chamada carinhosamente de “Boutique Boxing Gyms”.
“É como se todo mundo que um dia falou
que queria ser diferente pudesse ser diferente,
em um lugar distinto, construindo novas relações,
conhecendo novas pessoas
e se comportando da forma que não consegue
por vezes na vida real”.
(ALCÂNTARA, 2013)
The X – Adidas
No “The X”, da Adidas, a gente pode tranquilamente parafrasear aquele antigo bordão de novela: “cada passo é um flash”. Localizado em Londres, o espaço de treinamento para mulheres projetado no Victoria Park é multifacetado e, além de oferecer uma decoração atraente e colorida, ainda sustenta salas para realização de eventos diversos.
Concebido como um espaço “pop-up” itinerante, o The X foi um sucesso total como Instagrammable Fitness: corridas de grupo, sessões de ioga, aulas de boot camp, sessões para apresentações de produtos da marca, jantares e até oficinas de produção de smoothies – as bebidas saudáveis e indispensáveis para os “fitness de carteirinha”.
“Com certos comportamentos, podemos perceber
o que é importante para os usuários do software
em sua vida fora dele.
Qual a utilidade de vestir uma roupa de grife
e qual a importância de formar novos grupos de amigos?
As mesmas que na vida real: a diferença é que, no jogo,
isso se torna mais acessível e manipulável”.
(ALCÂNTARA, 2013)
E quem foi que disse que esporte e conhecimento não podem dar uma corridinha juntos, lado a lado? Em Nothing Hill, a Gym Library quer provar que sim, é possível. Caracterizado pelos próprios londrinos como “deslumbrante”, o espaço é todo decorado com livros antigos, em capas de couro e peças vintage de treinamento, que contrastam com os equipamentos ultramodernos espalhados pela casa.
A Library funciona quase como um clube exclusivo. E, segundo seus proprietários, a ideia era justamente tirar aquela ideia de “adrenalina” do ambiente, transformando-o em um lugar belíssimo, aconchegante – o que pode modificar totalmente a experiência de seus sócios já no momento da adesão.
Antes de ser reinventada, funcionava na ampla construção uma lindíssima sinagoga. E muitos detalhes dela foram preservados.
As academias das grandes marcas
E para quem achou tudo isso um pouco demais, deixo ainda mais uma: o Nike Crystal Coliseum, em Toronto, Canadá, que nada mais é que uma academia flutuante. Isso mesmo: uma barcaça flutuantes que foi reaproveitada pela marca, em pleno Lago Ontário. O estúdio especial é direcionado às mulheres e se destaca por ser muito arejado e repleto de luz.
São 33 níveis de treinamento, ancorados por professores renomados de toda a América do Norte. E, claro, os grandes lançamentos em calçados e vestuário especializado totalmente disponíveis para as exigentes clientes.
Mas como nosso papo aqui não trata (apenas) de decoração, seria legal fazermos uma associação de todas estas tendências aqui apresentadas com números interessantes e padrões diversificados de comportamentos.
É sedutor, interessante, quase irresistível a um público que se acostumou a dividir seus progressos físicos com a família e os amigos – além dos nem tanto – perder cenários como esses e não registrá-los em suas redes pessoais.
Mas tudo isso está longe de ser uma invenção das Instagrammable Fitness, ou academias boutique: desde que o mundo é mundo, todos sonhamos com uma vida perfeita, sem problemas, com nossos objetos “necessários” ao consumo, pessoas à nossa volta, lugares bonitos pra se estar e viver, saúde, felicidade. E, se o cenário der aquele empurrãozinho na “venda” deste conceito para os nossos seguidores, por que não aquela foto, com aquele filtro especial, naquele momento em que suor e o desgaste, aparentemente, estragariam o registro?
Por que fazer isso no Instagram?
E o Instagram é o lugar perfeito pra isso! Criado em 2010 por um norte-americano e um brasileiro, a plataforma foi vendida para o Facebook dois anos depois. O seu embrião, chamado Burbn, já atraiu cerca de US$ 500 mil em investimentos logo de cara – mesmo com vários problemas técnicos. Desenvolvido inicialmente apenas para o sistema operacional iOS, logo ganhou o mundo com suas aplicações de filtro, curtidas, comentários e angariou cerca de 1 milhão de usuários em questão de meses.
E o que mais pode reunir um sem número de pessoas em volta de uma comunidade virtual do que a possibilidade de ver e ser visto? Do que a vaidade humana?
Em abril deste ano, o Instagram anunciou mundialmente a meta atingida de 700 milhões de usuários ativos – e 100 milhões de “instagrammers em ritmo acelerado”. Seja lá o que isso queira dizer exatamente, desde que foi parar nas mãos de Mark Zuckerberg, a rede social explodiu em acessos.
Instagram X Snapchat
Nos últimos dois anos, pra ser mais exata, o número de usuários da plataforma dobrou. Naturalmente, os administradores associam o sucesso à usabilidade, simplificação e aprimoramento do aplicativo. Vídeos, histórias ao vivo, mensagens diretas – o que acabou desbancando seu principal concorrente, o Snapchat. Aliás, lembra dele?
Para aumentar a fidelidade de seus usuários, o programa agora pode ser usado também off line – o que foi carregado enquanto se estava conectado a uma rede poderá ser acessado. E as curtidas, comentários ficarão ali registrados e postados, para quando ele novamente se conectar. Em resumo: tentador não observar os movimentos de longe.
Mas o sucesso absoluto do Instagram (e das Instagrammable Fitness), como vimos acima, vai além da sua simplicidade no uso: tem a ver com o narcisismo humano, com razões que talvez só a psique conheça. Um certo hedonismo onde a dor dá lugar ao prazer, as lutas se escondem atrás de felicidade. Um lugar onde a satisfação e a autorrealização estão acima das necessidades reais. E o egocentrismo, que tem se tornado quase uma doença social, é sintetizado e exposto. Com filtros.