A área de marketing de qualquer empresa vive muitos dilemas nos dias de hoje. Certamente, são muito mais perguntas do que respostas. Os departamentos incorporaram múltiplas disciplinas, cresceram em verba e em especialidades.
O crescimento dos modelos digitais foi essencial nessa transformação, pois trouxe oportunidades diversas e desafios gigantescos que, a cada dia, tornaram-se mais complexos de serem ultrapassados e solucionados.
Construir e manter uma marca saudável, no momento que vivemos atualmente, é muito, mas muito mais intrincado. A experiência e a relação entre marcas e indivíduos ganharam um novo contexto a partir do universo digital.
Quando se pretende dialogar com o público, desenvolver um novo produto, promover um encontro, produzir uma campanha ou promoção, há, hoje, uma infinidade de variáveis. Boa parte delas, aliás, está totalmente fora de controle das companhias.
A conectividade entre marca e consumidor foi ampliada em proporções exponenciais. Não há mais comando pleno. Por isso mesmo que propósito, autenticidade e verdade estão no centro do debate.
Tudo está muito mais evidente e exposto. Quanto menos consistentes essas frentes estiverem, maiores serão os riscos para a marca. Em qualquer organização de qualquer porte, não importa o segmento de mercado, e os prejuízos são difíceis de serem calculados.
A transformação digital, tão propagada por organizações e gurus do mundo inteiro, ainda não é efetiva na maioria das empresas. Poucas iniciativas desintegradas são muito mais comuns do que um projeto sólido. Aquele para o qual olhamos e identificamos facilmente se tratar de algo que tenha sentido no todo para o mundo digital. Tudo ainda se apresenta de forma fragmentada, dispersa, sem amarração.
Trata-se de uma crítica? Sim, mas também não estou dizendo que é algo supersimples de ser resolvido. Vale lembrar que a internet comercial no Brasil tem aproximadamente 22 anos. Está iniciando sua vida adulta.
O esforço é grande para que uma atuação com visão integrada e completa aconteça. Não se trata apenas de adotar ou não tecnologia. Tem a ver com cultura, com processos que são realizados da mesma forma há muitos anos, com autodefesa executiva.
Então, talvez seja bom parar um pouco esse ritmo maluco que vivemos para fazer algumas perguntas e encontrar suas respostas. A brasileira E.Life criou um modelo de sete passos evolutivos, chamado de Modelo de Maturidade Digital, para ajudar as empresas a entenderem em qual momento estão e evoluírem a partir dele.
Selecionei algumas perguntas que considero fundamentais para que o marketing e/ou a comunicação de uma marca ou empresa que atuem em transformação digital comecem a colocar os trilhos novos na estrada de ferro por onde passará o próximo trem. Uma certeza e um aprendizado que eu tive com um antigo chefe: só não podemos colocar trem novo em cima de trilho velho.
Algo na linha do que as grandes consultorias vêm chamando de business experience technology (BXT), que entregue ao cliente basicamente o que é viável, desejável e factível. Para chegar a essas três palavrinhas mágicas e entregar algo de real valor para seus públicos, pense em:
1. Como você está olhando os teus relatórios?
Atualmente, vivemos o mundo dos dados. Só em 2017, quantas vezes você ouviu falar em big data, data analytics, entre outras expressões ligadas à mensuração de resultados? Inclusive, isso me lembra, curiosamente, a famosa frase do professor de psicologia e comportamento econômico Dan Ariely:
“Big data é como sexo na adolescência: todos falam sobre isso, ninguém realmente sabe como fazê-lo, todos pensam que todos os outros estão fazendo isso, então todos afirmam que estão fazendo (…)”.
De quase tudo é possível extrair algum tipo de informação, e são muitos os problemas que vemos no dia a dia.
O primeiro ponto é saber o que se deseja mensurar. A gente sai implementando uma porrada de ferramentas. Mensura tudo, define alguns KPI, mas, no fim, acaba não olhando para o todo. O que nos leva a outro problema.
Geralmente, os relatórios não estão integrados. Eles são produzidos e compartilhados a partir de quem comanda ou detém o poder sobre aquele ponto de contato. Isso dispersa totalmente a análise aprofundada e o desenvolvimento de inteligência sobre os dados.
Problema maior que conseguir colocar tudo isso numa base de dados organizada, é conseguir sacar inteligência definitivamente integrada sobre as informações que permitam criar uma base para a tomada de decisão. Em geral, os dados estão dispersos em silos.
E a terceira e última questão para pensarmos sobre dados: o quanto, efetivamente, eles estão gerando iniciativas que transformam o seu negócio? De tudo o que você lê, vê e ouve nos milhares de relatórios a que tem acesso, existe uma lista de tarefas a serem executadas, acompanhadas e cobradas regularmente?
2. Que atenção você dá aos canais de relacionamento com os teus clientes?
O digital quebrou uma barreira muito importante no mundo corporativo: eliminou intermediários do processo e colocou o cliente frente a frente para conversar com as empresas (sem que isso fosse feito por anúncio de rádio, TV, jornal, entre outros meios tradicionais). Isso foi algo muito assustador para todas as empresas.
Assim como dissemos que o consumidor mudou, o papel dos canais também tem de se rearranjar. Não basta apenas a evolução natural já identificada pela própria área responsável pelo canal, as melhorias estruturais devem ser default.
Estamos falando mesmo do ponto de posicionamento e estratégia. O quanto cada canal se encaixa dentro dos teus negócios a partir do comportamento do mercado hoje. A empresa, muito provavelmente, abriu muitas e novas frentes de diálogo, principalmente em mídias sociais. E é possível descobrir coisa ali que sequer precisava ou deveria ser feita.
Surgem perguntas: isso tudo está funcionando da melhor forma? Há conteúdo permanente que faça sentido para o consumidor e está de acordo com as premissas e posicionamento da marca? Quais conteúdos podem e devem ser potencializados e, por isso, precisam de reforço? O quanto podemos eliminar aqueles que só custam e trazem resultados ínfimos.
É muito comum deixarmos de revisitar todas as frentes de interação com os públicos. Fazer um grande mapa pode ajudar a identificar o que está sobrando e o que está deficiente.
3. De que maneira está olhando para a jornada dos teus clientes?
A já tradicional jornada do cliente é base para muitos processos que surgem e são desenvolvidos em qualquer time de marketing e comunicação. Mas a base de dados que está utilizando é confiável suficientemente para garantir que os passos considerados em sua régua são reais? Você deve concordar que a falha de leitura de um processo específico pode nublar ou nos fazer tomar atitudes erradas em tudo o que está à frente desse processo.
Seria preciso reunir as diversas pontas responsáveis pelos pontos de contato com os clientes, analisar os dados e, então, criar uma régua única de jornada. É difícil? Nossa, e muito! A começar pela árdua tarefa de juntar esse povo todo e propor a discussão. Mas é certeza de que pode dar um resultado incrível e surpreendente para todos que participam.
O cliente mudou. O comportamento de consumo sofreu alterações significativas. E isso tem acontecido de maneira muito rápida. Não só produzir uma jornada mais completa, de ponta a ponta, e revisá-la de tempos em tempos torna-se primordial para qualquer negócio.
4. Quanto você está realmente ouvindo e absorvendo as informações do teu time?
Vamos lá! Não me diga que você é todo ouvidos: falta de tempo provocada pela agenda abarrotada de compromissos; velocidade que se tem para tomar decisões com pressões enormes; reuniões repletas de celulares e computadores e atenções dispersas; reports e feedbacks rápidos e, muitas vezes, rasteiros.
Por essa razão também, informações francas, que deveriam chegar a quem de fato tem poder para tomar as decisões, simplesmente se perdem nas tarefas diárias corporativas. E pontos importantes de rotina, de operação, de clima e de produção são conhecidos e visualizados por quem está envolvido no dia a dia.
Hoje, muitos dos problemas de organizações, sem dúvida, estão na falta do ouvir. A política de portas abertas da alta gestão, convenhamos, fica mais no discurso do que na prática.
Primeiro, por razões estruturais históricas de hierarquia. Ninguém gosta de atropelar ou ser atropelado, ultrapassado. O famoso by pass é praticamente uma ética nas corporações.
Segundo, pelo fato de a forma ser intimidadora e, por vezes, constrangedora, especialmente quando o processo é inverso. Imagine um estagiário sendo chamado na sala do presidente para que fale sobre o que vê e observa da companhia? Seria um grande exercício; mas será que sairá algo realmente bom desse diálogo?
Precisamos pensar em novos modelos e estruturas que permitam que informações fundamentais fluam do topo para a base da pirâmide, e vice-versa.
Sobre esse tema, aliás, vale a leitura do artigo “A deprimente necessidade de agradar ao chefe”, de Rafael Souto, publicado no Valor Econômico.
5. Qual é o retorno efetivo sobre os investimentos de todas as iniciativas do marketing?
O marketing das empresas ganhou poder. Como uma área fundamental no apoio comercial, ou seja, ajudar a vender, foi incorporando funções, especialidades, tecnologias, budget. Passou a pensar e executar tantas tarefas, que ficou complexo demais visualizar a efetividade de todas as ações.
E você se pergunta: o marketing é tão irresponsável assim? Claro que não! Nem é isso que estou dizendo. Mas a exigência que se tem hoje sobre essa área em qualquer companhia supera a capacidade de entregar a partir de uma visão sobre o todo.
Atualmente, o marketing das organizações é (ou deveria ser) praticamente um hub. Conta com muitos demandantes, com necessidades pontuais e que talvez não conversem com o propósito macro ou com a estratégia de comunicação da marca. E sabemos o quanto é difícil dissuadir os solicitantes.
Há, ainda, o gerenciamento de diversos fornecedores para cada uma dessas ações – vamos lembrar de que as estruturas de marketing foram das últimas a serem enxugadas nos últimos anos. Muitas vezes, puxando a sardinha e mostrando resultados que convêm somente a um lado.
Vivemos o momento em que o marketing está, cada vez mais, pressionado a justificar cada centavo gasto, a provar que aquele dinheiro investido vai trazer mais dinheiro de volta para a empresa e seus acionistas.
Repensar com cuidado cada projeto, cada iniciativa e conectar tudo sob uma visão e estratégia únicas são questões de sobrevivência e sustentabilidade da organização. Além, é claro, da otimização de tempo e recursos.
Tenho certeza absoluta de quão difícil é parar, puxar o freio de mão. Dar-se um tempo para analisar tudo com calma, para gerar insights e soluções. Quanto mais isso se arrastar, maiores serão as chances, entretanto, de incidirmos em erros nos processos decisórios.
Inclusive, recomendo a leitura do artigo do Financial Times (infelizmente é fechado para assinantes) sobre a importância do silêncio para os negócios.